quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Palavras Citadas II



A invenção do amor

(...)

Um homem e uma mulher que tinham olhos e coração e fome de ternura
e souberam entender-se sem palavras inúteis
Apenas o silêncio A descoberta A estranheza
de um sorriso natural e inesperado

Não saíram de mãos dadas para a humidade diurna
Despediram-se e cada um tomou um rumo diferente
embora subterraneamente unidos pela invenção conjunta
de um amor subitamente imperativo

(...)

Procurem a mulher o homem que num bar
de hotel se encontraram numa tarde de chuva
Se tanto for preciso estabeleçam barricadas
senhas salvo-condutos horas de recolher
censura prévia à Imprensa tribunais de excepção
Para bem da cidade do país da cultura
é preciso encontrar o casal fugitivo
que inventou o amor com carácter de urgência

Os jornais da manhã publicam a notícia
de que os viram passar de mãos dadas sorrindo
numa rua serena debruada de acácias
Um velho sem família a testemunha diz
ter sentido de súbito uma estranha paz interior
uma voz desprendendo um cheiro a primavera
o doce bafo quente da adolescência longínqua
Daniel Filipe

2 comentários:

Anónimo disse...

Aleph, 04 de Fev 1871/2009

Ah! Também ia sentada naquele americano, que circula pelas ruas do Aleph...bem, há sempre lugares livres, mas.... só uns tantos o vêm ou ouvem chegar.

Sim, claro que sentia a tua presença, ali dentro!

E o americano lá ia escalando a calçada íngreme, rumo a um sonho.
Passávamos á porta de blogues, gastos, decrépitos e abandonados. Via-se que nunca ali florescera, sequer, uma ideia original, um momento de paixão -- a explosão de corpos unidos num abraço louco, febril! Momentos que permitem às almas dum homem e duma mulher comunicar -- total e plenamente!

Blogues secos, tristes, que nunca foram agitados pelo riso de uma criança, pela magia do choro dum bebé – ou por pezitos agarotados, a correr escada acima, soltando gritos alegres, ofegantes.

Blogues cansados, desistentes, alguns até acabados de construir --mas todos eles marcados por um desespero imenso, que as cores berrantes com que os pintam ou os cartazes cheios de palavras que enfeitam as suas fachadas não conseguem disfarçar.

Um deles, particularmente, assustava, pelo vazio sinistro que exalava. Sentia-se que, nas traseiras, deveria existir um quintal sombrio, cópia reduzida dos jardins do inferno.

Devia ser um restaurante, como os das Portas de Santo Antão, ao Rossio. Isto porque, junto à entrada, um homem, espécie de gnomo, tentava atrair as poucas pessoas que circulavam pelo passeio, mostrando-lhe uma folha, talvez uma ementa, coberta de palavras desconexas.

Das janelas daquele blog patético escapavam fumos ou vapores. Percebi depois que eram forças malditas, acumuladas nas dobras mais profundas do imaginário.
Sem aviso, o céu e a terra tremeram, deixando escapar a essência da desgraça e do mal, que nos acompanham desde o princípio dos tempos.

De repente, sobre a cidade, enormes pássaros, vindos dum rasgão aberto no desconhecido surgiram, cruzando os ares, entoando cânticos negros.
Assim desafiadas as nuvens reagem, curvam-se, rolam sobre si próprias, reclamando a primazia do espaço.
Intimidados os pássaros fogem, para logo regressar, provocadores.

Pelas ruas, das janelas dos blogues, dedos assustados apontam para cima, olhos ansiosos seguem o duelo de pássaros e nuvens.
E, de súbito, a multidão foge, aterrada – ferida de morte por milhares de bicadas, uma nuvem cai pesadamente para o solo!
É enorme, cobre vários quarteirões, vai esmagar tudo.

Gritos, gestos heróicos, um homem atira-se por cima de uma criança para a salvar, o 1º Ministro, que saía de S. Bento, abre o guarda-chuva, instintivamente, para se proteger…
… a última vez que foi visto!!!

E o americano chegado, entretanto, ao topo da calçada, dobra a esquina, deslizando por uma avenida de luz, ladeada de blogues de todas as épocas, de todos os estilos – velhos, novos, mas animados por frontarias pintadas cor-da-esperança.


É esse o fascínio de se viajar pelas ruas do Aleph.
Cada manhã, em cada instante da vida, renascemos, acordamos, renovados, num outro planeta, num outro tempo, sob novos deuses.

Aleph, 04 de Fev 1871/2009

Lobo

Manel Cunha Calado disse...

EHEHEHEHE,
depois disto, dizer o quê?!

este blog tá a precisar de uma pintura?!?!